31 outubro 2008

Levantei e fechei a porta dos outros quartos pra não perturbar. Refleti por alguns minutinhos curtinhos e fui saber o que ele queria. De uma forma bem rápida me alertou de alguma coisa chatíssima que estava acontecendo na rua, sei lá que diabo de coisa era exatamente. Mas, me vesti rápido, peguei o iPod e o maço de cigarros e fui pra rua com ele.
Eu estava lá, caminhando com aquela criatura estressadíssima, enlouquecida, do meu lado, ainda pensando muito na história do segundo turno. Logo que saímos de casa eu botei o Little Richard gritando no meu ouvido. Não estava escutando nada, mas de longe já dava pra ver o tamanho da confusão e da revolta das pessoas, sei lá com quem. Fui me aproximando com muita calma. O iPod estava cantando “Good golly Miss Molly” e eu ouvindo, com uma vontade completamente controlável de dançar.
Me distraí por um segundo e me perdi do Bob. Foi bem agradável. Ainda calmo, só que um pouco menos, tentei me infiltrar na multidão e me saí muito bem. Tinha um buraco. Exatamente no cruzamento da Rainha Guilhermina com a Dias Ferreira, exatamente mesmo, tinha um buraco enorme. Enorme! Na verdade eu não fui muito claro. O buraco não era grande, era gigantesco! Quando eu disse exatamente no cruzamento, eu queria dizer que o buraco estava milimetricamente no centro do cruzamento das duas ruas, se estendendo com muita clareza até onde eu mesmo não conseguia acreditar. O diâmetro era muito significante também. Me expressei mal novamente, não era um diâmetro, era apenas uma largura. Não era um buraco redondo, ele se estendia pela Rainha Guilhermina de forma integral! Agora fui claro? Era um buraco que ligava uma ponta da rua a outra! Levando em conta que no principio da rua fica a praia, e no outro lado o canal, e levando em conta também que estava passando água pelo buraco, eu pude concluir que estava sendo formado, ali, na minha frente, um novo canal do Leblon. Era uma visão inacreditável. Os carros estavam malucos, o transito não sabia como se resolver, devia estar um barulho desagradabilíssimo de buzinas e etceteras, mas eu ainda estava escutando Little Richard, e achando tudo lindo, esteticamente falando. As metades da Rainha se separaram com muita classe, nada ficou destorcido, os prédios continuaram intactos, só que bem mais afastados, estava realmente muito interessante. E dava pra passar meio carro de cada lado.
Era um inicio de madrugada, eu não tinha compromisso nenhum e nem hora de acordar no dia seguinte, então, sentei. Eu estava intrigadíssimo com a questão toda do buraco e também com a vergonha política, mas a música estava muito boa, queria me concentrar. Me agachei com muito calma e ritmo. Sentei na beirinha da vala, com as perninhas balançando. Era um visual inenarrável!
Na verdade, depois de uma hora parado, olhando a água passar e achando tudo muito estranho, enjoei do Little Richard. Pausei. As sensações sem iPod eram péssimas, as pessoas estavam malucas, correndo, gritando, mijando! Eu estava tranqüilo, o que eu poderia fazer pra ajudar? Aliás, eu nem queria ajudar, estava quase buscando a sunga pra dar um mergulho. Teria sido ótimo! Mas aí, sentadinho no meio daquela coisa toda, fui ficando deprimido. A porra da eleição estava me perturbando, não tinha mais jeito, o que se podia fazer era se acostumar! Eu não sabia como... Ainda não sei como. Não sei como aceitar que a maioria dos meus coleguinhas de cidade preferiu o camaradinha que ganhou.
Foi amanhecendo, os malucos foram sumindo, a polícia também e o buraco não. Eu me acostumei com a imagem, aceitei a paisagem nova. Era quase de manhã e eu basicamente sozinho. Na hora de sair de casa, acabei levando um baseado dentro do maço de cigarros, nem reparei. Mas já que ele existia, acendi a brincadeira! Foda-se se um policial aparecer, tem um buraco, porra! Alguém tem que fechar essa caceta! Numa hora dessas pode tudo! Fiquei fumando numa boa, ninguém falou nada, a não ser o flanelinha que me pediu um tapa. Não sei se eu estava muito doido, mas acho que vi o Bob Esponja passar boiando pela correnteza, bem na minha frente! Então foi isso... A partir desse dia teríamos uma lasca de ferida aberta na Rainha Guilhermina. A melhor coisa a fazer era sair dali e ir direto à Rio Lisboa, nada como uma canoa na chapa pra finalizar com sarcasmo!

Rainha Guilhermina
28 outubro 2008
27 outubro 2008
24 outubro 2008

Acabei aqui sozinho.
Sobrei, fiquei carente,
Ainda tava um friozinho,
Mas forcei um sorridente.
A ausência era marcante.
Fui comer no restaurante,
Fui pedir a milanesa.
Cantinho do Leblon,
Por sinal, barato e bom.
Lá só tinha acebolado,
Pra aumentar a minha tristeza.
Ou então frango grelhado
Que não vem acebolado,
Ou pode ser frango ensopado,
Mas não fica bem na mesa,
O semblante não é legal.
Fui no prato executivo,
De segunda a sexta-feira,
No sábado não se faz.
E, apenas nesse domingo,
A gente vota no Gabeira,
Que é a única maneira
De mudar alguma coisa
Pra eu não me sentir sozinho,
Pra que eu fique aconchegado.
Mas do jeito que sou bobo
Vai dar tudo errado,
Mas é porque eu sou maluco.
Hoje, mais uma vez na vida,
Me encantei por uma loira,
Uma loira que era linda
E que ria pros meus olhos
Tão sem graça quanto eu,
Que por sinal fiquei calado,
Derretido, quase apaixonado.
É a carência do dia-a-dia,
Dos dias quentes de friozinho,
Que esquenta mais do que esfria,
Pelo ventinho gostoso e saboroso
Como o bife mal passado
De uma quinta-feira vazia
Com um chope na meia pressão,
Me convencendo pra que eu sorria
E esqueça essa agonia.
Ficar sozinho é bom -
Bebe-se álcool, ouve-se música
E ainda se pode mandar em um garçom
Escolhido pra você,
Que se sentia um homem triste
E agora se diz contende.
Como diria o Rodrigão -
Uma andorinha só nunca serão!
16 outubro 2008

DE braguilha aberta ele foi caminhando
De braguilha aberta,
Ele foi caminhando sem pensar aonde ia.
Pensou sobre o tempo,
Pensou sobre as cores,
Pensou que o que vai vem
E que seu pai estava errado.
Assumiu seus amores
E seguiu pela areia deserta,
De braguilha aberta.
Ele foi caminhando sem saber aonde ia,
Mas parou pro que vinha.
Na praia sozinha
Surgiu uma moça,
De vestido curto e frágil,
Atrasada pra fazer o penteado.
Se chamava Karina
E foi-se embora voando,
E o menino olhando.
De braguilha aberta,
Não reparou se a menina desapareceria.
Reparou que era outra,
Mais bonita, que vinha.
Uma bem mais simpática,
Com calor de vizinha.
Essa não foi-se embora,
Ficou pra falar do mar
E pra, quem sabe, tentar avisar.
Então, ficou parado pra pensar aonde ia,
Mas não sabia se queria.
Deslumbrado com a loira
Esqueceu da mulata,
Porque a loira era alta
E pestanejava falar.
Desejava escutar
Sem saber o que vinha,
A voz dela era tão bonitinha.
De braguilha ainda aberta,
Pediu um beijo pra ver se a menina daria.
O beijo foi dado
Com imenso cuidado,
Provocou sussurrinhos
E ainda se ouviu um obrigado
Da menina Roberta,
Que não pretendia dizer nada
Além de avisar da braguilha aberta.
Com a calça lacrada,
Pediu e ganhou outro beijo e depois voltou pra casa.
15 outubro 2008
09 outubro 2008

as MINHAS MULHERES não são minhas
08 outubro 2008

Eu sou
Nenhum deles tem cheiro de otário
Eu tenho
Eu me apaixono por todo mundo
Eu me olho no espelho e vejo uma cara de bobo
Que parece cara de gente magra
O cabra que sente a barriga tremer
.
Não são as mulheres que eu peço
Os homens que eu amo
Não são os homens que me pedem
O desespero infla e o camarada fica em casa
Filosofando da vida, reclamando das vacas
Quem escuta a vizinha tem ouvido absoluto
Mas quem não ouve ninguém tem orelha afiada
Ninguém, das pessoas que eu conheço, é escroto
Eu sou
Ninguém nem parece escroto
Eu pareço
E às vezes tenho inveja dos outros
02 outubro 2008
01 outubro 2008

a mulher de COPACABANA
As dez pras seis uma mulher acordava dentro de um lugar estranho. Digo “dentro” porque era um local especificamente lacrado por uma porta de ferro, que corria de cima a baixo das pilastras. Não se sabia de absolutamente nada. A mulher não sabia quem era, não sabia seus planos e, finalizando a agonia, não sabia nem uma historinha sobre o que vinha antes - uma pessoa sem passado. Na verdade, passado a moça devia ter, mas não parecia, as memórias não chegavam nem a apontar que existissem. Uma desmemoriada. Ficou sentada em um banco no calçadão por doze horas seguidas tentando se lembrar de alguma coisa, quase um dia inteiro em função daquilo. Só sabia que havia despertado dentro de um bar estranho, com alguns poucos gatos feios.
Acordou do sonho, que desconhece, como quem estivesse se afogando. Levantou, olhou em volta, conferiu os bichos e não entendia nada - Onde mesmo era isso? Não sabia de pistas que explicassem como acabou por dormir sozinha atrás de uma grade de ferro. O barulho da porta sendo levantada as seis e treze foi um alivio, mas um alivio incerto. O português mestiço com sotaque carioca disse aos berros que saíssem. Deveria ser para os gatos, mas ela aproveitou para obedecer e sair logo dali. Apesar da impossibilidade do fato, acreditou que o sujeito não tinha notado que estava lá e pensou – foda-se!
Se deparou com Copacabana, disso ela lembrava, quase na esquina da praia. Sem sentir fome, foi na direção do mar e caminhou um bom pedaço de calçada. Sentou no banco e ficou. Ali, sem nada pra fazer, ficou. Muito. Pensar na vida não tem propósito quando não existe coisa pra pensar, só é coerente pensar no que está acontecendo no momento, o presente, ao pé da letra. Ela olhava pra frente e não fazia sentido. Olhava pros lados e não via nada. E olhando nos olhos das pessoas se sentia como quando olhava pro lado, ninguém olhava pra ela, ou, quando olhavam, era absolutamente sem querer. Não estava sendo vista. Ficou de pé. Permaneceu assim por uma meia hora, sem mexer um músculo. Estava sentindo falta de no mínimo ser tratada como maluca em vez de ser completamente ignorada por uma população inteira. Tentou sorrir pra chamar atenção e não chamou ninguém. Cantou. Como não podia se lembrar de músicas antigas, na verdade apenas cantarolou, e foi tremendamente inútil. A desgraçada era desmemoriada e basicamente invisível. Foi por isso que, por fim, acabou por se sentar no tal banco e permanecer, até escurecer, sem sentir fome. Realmente foi só isso mesmo que ela fez.
Quando a escuridão das luzes passou a incomodar os olhos, se levantou. Pra onde ir? Bom... Voltou tudo. Andou de costas pra testar a percepção alheia, durante o caminho inteiro, até se ver novamente cara a cara com a Duvivier – rua onde tinha acordado. Nessa rua aproveitou pra durar mais um pouco, já que havia durado tanto nos outros lugares ao longo do dia. Que dia vazio.
Retornou ao bar. Parou na porta e refletiu em silencio, mais uma vez, por um tempo longo bem significante. Entrou pisando em ovos pra não ser reconhecida, ao contrario do que desejou em todos os outros segundos da memória. Sentou no balcão. Era diferente com luzes. Cartazes de bebidas ruins e diversos outros clichês estavam espalhados pela parede, só não estavam os gatos. Não foi atendida e não se espantou por isso, estava digerindo a idéia de não ser levada em conta. Até as três horas da manhã não falou, não recebeu nenhum olhar, nenhuma palavra doce e, por incrível que fosse, nenhum xingamento. Três em ponto, ao ver a porta do bar ser fechada, exclamou – Ué! Não teve resposta, foi novamente lacrada. A magnífica volta ao seu mais recente útero. Não estava à vontade. Tentou respirar pra acalmar os nervos, mas parece que depois de trancado aquilo fedia muito. Tédio. Chegou a achar o tédio corriqueiro, mas, como só tinha vivido um único dia, nada podia ser taxado como corriqueiro. Fazendo um barulho no teto os gatos surgiram de um buraco invejável para se esconder. Pronto. Não tinha rumo e nem idéia do que poderia se chamar de ontem nem de amanhã, mas tinha companhia, podia dizer que voltara pra casa, por mais que não. Voltou e encontrou os mesmos integrantes que tinham sido abandonados por ela de manhã, é assim que as famílias fazem. Viu que não precisava de outros alívios para suas inseguranças. As quatro e dez, dormiu tranqüila, apesar dos pesares.